domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pularei alguns dos contos, e passo direto até "O primeiro-ministro sequestrado". 

Nele, Hastings narra a incrível façanha de Poirot auxiliando as polícias francesa e inglesa no desvendar do mistério do desaparecimento do Primeiro Ministro.

Um detalhe para o erro lastimável na tradução. "Mandato" foi o termo utilizado como sinônimo de ordem, autorização. Na verdade, o termo técnico correto é "Mandado", com o "d". Mandado é utilizado no Direito para indicar: Mandado de Citação; Mandado de Penhora; Mandado de Segurança; etc. São ordens solicitadas ou determinadas pela autoridade judiciária. O Mandato, com o "t" é a procuração. O contrato de mandato é aquele segundo o qual o mandante (a pessoa que assina, confere, outorga a procuração) confere poderes ao mandatário (a pessoa que recebe os poderes). O mandato é oneroso ou gratuito, e pode conter cláusulas gerais (poderes gerais) ou específicas. Nas novelas é muito comum a figura da pessoa (geralmente o mocinho ou mocinha) que assinam procurações e ficam à merçe de seus procuradores inescrupulosos.

Para comprovar o erro da tradução, vejam:

"Norman e eu ficamos no carro. Poirot e um dos detetives foram até a porta da casa e tocaram a sineta. Uma criada impecável abriu a porta. O detetive falou: 
- Sou da polícita e tenho um mandato para revistar a casa." 

A rigor, seria até possível um "mandato" para revistar a casa. O detetive original recebe uma ordem autorizando-lhe a revistar a casa e, em seguida, transfere seus poderes via mandato (procuração) a outrem. Mas não é, evidentemente, o caso, e sim um erro de tradução. Absolutamente justificável, diga-se, pela sutileza da diferena!!!

Mas voltemos ao caso.

Desta vez, vou transcrever um dos melhores parágrafos de todo o conto. Ele mostra exatamente o modus operandi de Poirot e de suas "células cinzentas".

De súbito, justificando a aparente inatividade - o caso requeria a localização do Primeiro-Ministro desaparecido em um espaço de menos de 24 horas - Poirot defende-se:


"- Não é assim que um bom detetive deve agir... não é isso o que estão pensando? Já sei. Um bom detetive deve mostrar intensa energia, correr de um lado para outro, prostar-se numa estrada poeirenta para procurar marcas de pneus através de uma lentezinha. E deve também recolher pontas de cigarro e fósforos usados? É isso o que pensam, não mesmo? - Os olhos de Poirot nos desafiavam. - Mas eu... Hercule Poirot... digo-lhes que não é nada disso! As verdadeiras pistas estão dentro... aqui! - E bateu na testa, dramaticamente, antes de continuar: - A rigor, eu não precisaria ter saído de Londres. Teria sido suficiente para mim ficar sentado tranquilamente em meus aposentos. Tudo o que importa são as pequenas células cinzentas que estão aqui dentro. Secretamente, silenciosamente, elas vão cumprindo sua parte, até que de repente peço um mapa, ponho um dedo num lugar determinado e digo: o Primeiro-Ministro está aqui! E é isso mesmo! Com método e lógica, pode-se conseguir qualquer coisa! Esta corrida frenética para a França foi um erro... é brincar de esconde-esconde, como crianças. Porém, neste momento, embora possa ser tarde demais, vou começar a trabalhar de maneira correta, aqui dentro. Silêncio, meus amigos, por gentileza. 
   E durante cinco longas horas o homenzinho ficou sentado no quarto do hotel, imóvel, as pestanas piscando como um gato, os olhos verdes faiscando, tornando-se cada vez mais verdes. O homem da Scotland Yard estava obviamente desdenhoso, o Major Norman estava entediado e impaciente, eu próprio descobri que o tempo passava com uma lentidão cansativa e exasperante. 
   Finalmente, levantei-me e fui até a janela, procurando não fazer qualquer barulho. Aquilo estava-se transformando numa farsa. Mostrava-me secretamente preocupado por meu amigo. Se ele tivesse mesmo que fracassar, eu preferiria que fracassasse de uma maneira menos ridícula. Pela janela, fiquei observando um barco atracar, arrotando colunas de fumaça para o ar. 
   Subitamente, fui despertado de meus devaneios pela voz de Poirot, bem perto de mim: 
 - Mes amis, vamos começar!"


Logo, Poirot confirma sua tese.

O Primeiro-Ministro havia sido vítima de dois incidentes ao mesmo tempo. De caminho para a França, para uma reunião de cúpula ao final da 1ª Guerra, o Primeiro-Ministro sofre um atentado a bala ainda na Inglaterra. Vai ao Hospital, recebe tratamento - leia-se: ataduras na testa - e segue sua importante viagem. Na França, é sequestrado.

Poirot não consegue convencer-se da seqüência de fatos. Seria muita coincidência dois atentados, um logo após o outro, por grupos distintos. E não haveria nenhum sentido um atentado à bala primeiro, e um sequestro, em seguida, vindos de um mesmo grupo. O único sentido para o primeiro atentado, então, seria fazer com que o Primeiro-Ministro, ou melhor, alguém fazendo-se passar pelo Primeiro-Ministro, pudesse ir à França com ataduras na cabeça.

Para Poirot foi o suficiente! Baseando-se nessa tese regressaram à França e vasculharam casas e hospitais. Encontraram, finalmente, o Primeiro-Ministro na casa de uma agente alemã escondida. E à tempo para a reunião.

Brilhante! Como sempre...

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